quarta-feira, 7 de julho de 2010

Um "giro" diferente no armazenamento de dados do futuro.


A próxima geração de computadores será "instantânea", no sentido de que eles não necessitarão passar pelo processo de "boot", no qual as informações têm que ser movidas do disco rígido para a memória. Eles também armazenarão dados em espaços menores e acessarão esses dados mais rapidamente, tudo isso consumindo menos energia do que as máquinas de hoje - graças, em parte, ao desenvolvimento de memórias de acesso aleatório magnéticas, as chamadas MRAM. Esses chips de memória MRAM armazenarão dados utilizando o spin dos elétrons, dando-lhes uma enorme vantagem sobre os chips atuais, que utilizam a carga dos elétrons.


Antes que a revolução da "spintrônica" possa começar, entretanto, será necessário um entendimento científico muito mais aprofundado dos óxidos metálicos complexos, materiais que apresentam um fenômeno único chamado magnetoresistência colossal (CMR: "Colossal MagnetoResistance"). Entre esses óxidos está uma classe de materiais conhecida como maganitos.
"Nos manganitos CMR, a aplicação de um campo magnético pode causar a alteração da resistência elétrica do material em até 1000 por cento," explica Charles Fadley, um físico filiado à Divisão de Ciência dos Materiais dos Laboratórios Berkeley e professor de física na Universidade da Califórnia, em Davis. "Hoje, os melhores equipamentos de armazenamento de dados são baseados no efeito GMR [magnetoresistência gigantesca], no qual o campo de aplicação reduz a resistência elétrica somente na faixa entre 20 e 50 por cento."
Fadley, trabalhando com seu orientando Norman Mannella, hoje na Universidade de Stanford, utilizou os feixes de raios-X leves (raios-X de baixa energia) excepcionalmente brilhantes do sofisticado laboratório Advanced Light Source (ALS), em Berkeley, para lançar novas luzes naquilo que poderá se mostrar como o elemento crucial do efeito CMR em maganitos e outros óxidos metálicos: a surpreendente formação de um tipo de polaron, um elétron que é de alguma forma ligado a uma distorção local dos átomos de um cristal.
A distorção cria um tipo de "poço" de energia que aprisiona o elétron, como um pedaço de grama arrancado segura uma bola de golfe que está deslizando. O tipo de polaron que Fadley e Mannella detectaram é chamado polaron Jahn-Teller, em homenagem a Hans Jahn e Edward Teller (o mesmo Teller que mais tarde auxiliaria no desenvolvimento da bomba de hidrogênio), que previram as distorções dos polarons em seu famoso artigo de 1937. Fadley e Mannella descobriram que a formação do polaron de Jahn-Teller se dá em um maganito CMR somente depois que ele é aquecido acima da temperatura Curie, o ponto no qual o material deixa de ser magnético.
"Nós mostramos, pela primeira vez, utilizando uma combinação de todas as espectroscopias ALS primárias, que um dos mais estudados manganitos CMR, uma mistura de lantânio, estrôncio, manganês e oxigênio, apresenta a formação de polarons acima de sua temperatura Curie [de cerca de 350 graus Kelvin]," explica Fadley. "A combinação das técnicas ALS que utilizamos mostraram muito mais diretamente do que qualquer outra medição anterior que um elétron tem posição restrita em relação aos átomos magnéticos de manganês, desta forma alterando a resistência elétrica de todo o material."
Manganitos tipicamente contêm quatro ou mais constituintes; o manganês é freqüentemente o único átomo magnético presente. De acordo com as descobertas de Fadley e Mannella, como os manganitos CMR se resfriam até abaixo de sua temperatura Curie, os polarons Jahn-Teller desaparecem, liberando os elétrons aprisionados. A capacidade dos maganitos CMR para conduzir eletricidade é muito diferente, dependendo se o polaron está presente ou não.

Monitorando o movimento dos elétrons em um material spintrônico: óxido de lantânio-estrôncio-manganês:
(Painel da esquerda) Dois elétrons em uma camada interna de um átomo de manganês têm energias ligeiramente diferentes, resultantes das interações de seus spins com o spin do átomo como um todo. Neste gráfico, feito plotando-se a energia dos elétrons expulsos de sua camada pelos fótons de um feixe de energia ALS, suas diferenças de energia a diferentes temperaturas (curvas adjacentes) aparecem no formato de uma trincheira. A diferença aumenta à medida em que a temperatura ultrapassa o ponto Curie (linha azul) e se mantém aumentando até que nenhuma diferença mais esteja aparente (linha vermelha). Quando a temperatura é diminuída, o processo se reverte. A diferença de energia desses elétrons é uma medida direta da força magnética desse átomo, força esta que aumenta significativamente acima do ponto Curie em razão da transferência de um elétron para o átomo de manganês.
(Painel da direita) Enquanto isso, os elétrons na camada orbital mais interior dos átomos de oxigênio do composto passam simultaneamente para um nível de maior energia à medida em que a temperatura é aumentada, confirmando a transferência de carga para o átomo de manganês acima da temperatura Curie. (O lantânio e o estrôncio no composto apresentam comportamentos similares aos do oxigênio.) Esses resultados fornecem uma evidência direta da formação de um polaron: uma distorção na estrutura dos átomos ao redor do átomo de manganês, o qual aprisiona um elétron em sua vizinhança.

Segundo a explicação de Mannella, "Como o átomo de manganês e seus átomos vizinhos de oxigênio são muito mais massivos do que um simples elétron, o polaron se comporta como uma partícula carregada negativamente com uma massa maior e uma mobilidade menor do que um elétron isolado."
Acrescenta Fadley: "Parece claro que, para entender o CMR em maganitos, você terá que levar em conta os efeitos dos polarons. Como aconteceu com a dependência da temperatura para a formação do polaron, esses efeitos são muito maiores do que nós sequer imaginávamos que fossem."



Os experimentos de espectroscopia conduzidos por Fadley e Mannella foram feitos utilizando-se o espectrômetro/difractrômetro de múltiplas técnicas 4.0.2 do laboratório ALS, que gera feixes de raios-X leves polarizados circularmente. Um feixe de luz é circularmente polarizado quando seu campo elétrico gira ao redor da direção na qual o feixe está viajando. A absorção de luz circularmente polarizada por um material magnético revela muito sobre os momentos magnéticos de seus átomos constituintes. Alimentado por um dos magnetos onduladores do laboratório, o feixe de energia 4.0.2 é ideal para se estudar os manganitos e outros materiais de interesse da spintrônica.



O efeito CMR em manganitos é um campo importante de estudos não apenas pelo seu impacto potencial sobre os dispositivos de armazenamento de dados de alta densidade. Alguns materiais CMR conduzem eletricidade por meio de elétrons com somente uma direção de spin (spin é uma propriedade da mecânica quântica, considerada como estando "para cima" ou "para baixo"), ao invés de números iguais de elétrons com as duas direções de spin, como em todos os dispositivos eletrônicos atuais. Isto significa que os manganitos CMR podem ter praticamente 100 por cento de polarização do spin, tornando-os excelentes candidatos para novos componentes lógicos que operem em altíssimas velocidades, tais como transistores spintrônicos e transistores de tunelamento magnético.
"Além das aplicações spintrônicas, nossos resultados poderão também ter implicações para os estados magnéticos dos átomos sob alta pressão, como no núcleo da Terra," afirma Mannella.
Estudos geofísicos têm demonstrado que perovskitas que contêm ferro, materiais óxidos com a mesma estrutura cristalina que os manganitos CMR, podem apresentar uma marcante redução no estado spin dos elétrons de seus átomos de ferro à medida em que eles se movem através do manto da Terra rumo às condições de extrema pressão do núcleo. A partir de um estado inicial de spin elevado, os átomos de ferro decaem para um estado de spin baixo à medida em que a pressão aumenta. Isto leva a uma perda gradual do momento magnético, o qual tem uma significativa influência sobre as propriedades magnética, termoelástica e de transporte do manto profundo. Essa alteração também pode afetar a distribuição de ferro entre os mantos superior e inferior, e entre o manto inferior e o núcleo, com uma possibilidade de maior ocorrência de ferro no manto profundo.
"A relação entre as perovskitas no manto e a pressão é baseado nos mesmos efeitos que nós estamos estudando na tentativa de observar alterações no estado de spin dos metais de transição [magnéticos] como uma função da pressão e da temperatura," afirma Fadley. "Logo, nossos resultados poderão ser úteis para aqueles que estão desenvolvendo um modelo de como o manto realmente é."

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